Chuvas em Salvador: ‘Vai morrer mais gente’, diz mulher que perdeu dois filhos em temporal

11/05/2012 09:34

 

Nanci busca consolo em Ariana, de 11 meses

 

Retornar ao local da antiga casa, que desabou e matou dois dos seus filhos durante as chuvas do ano passado, seria sofrer tudo de novo. Nanci Conceição de Souza, 31 anos, prefere se poupar. “Não vou lá não, moço. Nem quero passar perto”. Nanci agora paga aluguel numa casa bem próxima e não menos arriscada. 

Da janela, a doceira vê a mesma encosta que ocasionou a tragédia. Sem contenção, continua uma ameaça para os moradores da rua Lindolfo Barbosa, na Vila Canária. 

“Tá tudo da mesma forma. A diferença é que tô com dois filhos a menos e uma gastura no coração”, lamenta. Em um ano, a única mudança na vida de Nanci ela carrega nos braços. Quando a tragédia aconteceu, ela não sabia, mas estava grávida de Ariana, que hoje tem 11 meses. “Um filho não substitui o outro, mas é uma alegria, né?”, resigna-se. 

 



Horizonte péssimo
Diante da vida que permanece praticamente inalterada, a previsão é péssima. “Vai morrer mais gente, moço. Muitas famílias tiveram que ficar. A prefeitura me deu só um mês de auxílio-aluguel. Agora veio aqui e condenou tudo, mas eu vou pra onde?”, perguntou Nanci, que ainda tem um córrego passando a poucos metros da porta. “Qualquer chuvinha alaga tudo”, conta. 

A mulher que sofreu as piores consequências dos temporais que caíram sobre Salvador e Região Metropolitana em abril de 2010 tem situação semelhante à de mais de 100 mil moradores de áreas de risco, segundo a Defesa Civil. Alguns, assim como Nanci, enfrentaram momentos difíceis. E, de lá para cá, também para eles nada mudou. 

Ano passado, no Bairro da Paz, a doméstica Maria Cristina Adorno, 37 anos, viveu o desespero de dar à luz em plena enxurrada. Então grávida de oito meses, ela começou a sentir as dores do parto depois de ver cama, guarda-roupa e fogão serem destruídos pela enchente que atingiu a viela onde mora, a 2ª Travessa Presidente Dultra.

Uma vizinha, dona Shirley, a resgatou da área alagada e Henrique veio ao mundo de repente. Maria Cristina estava de pé, no banheiro, quando a criança caiu direto no chão. O menino sobreviveu e Maria Cristina mora hoje no mesmo local. Desde o fatídico 15 de abril de 2010, ela diz que nada foi feito pelas autoridades. 

“Não fizeram obra nenhuma e nem tiraram ninguém daqui”, confirmou a mãe. Para não dizer que todos ficaram parados, os próprios moradores é que compraram manilhas de concreto para ligar as redes de esgoto e ajudar no escoamento da água. Mas faltou dinheiro para adquirir o restante dos materiais. 


Debaixo d‘água 
A comunidade do Bate Facho também teme ficar novamente debaixo d'água. Aconteceu em 2009 e 2010. Personagem de uma das fotos feitas pelo CORREIO no ano passado, o serralheiro Roberto de Jesus Conceição, 36 anos, tem calafrios só de pensar nisso.  

Ainda contabilizando a perda de geladeira, sofá e micro-ondas, além de uma máquina de solda novinha, Roberto, como todo o Bate Facho, tem como  inimigos uma represa que fica no fim da rua e um rio que passa ao lado. Ambos transbordam e a água fica na altura do pescoço. “Chega essa época e a gente sai de casa preocupado”, diz Roberto, que mora com mulher e filho.

Em Lauro de Freitas, a subida do Rio Ipitanga ilhou a cidade. “Tudo o que estava abaixo de um metro foi perdido. Estamos construindo prateleiras altas para colocar tudo”, disse Silvio Bispo, funcionário da Ferreira Material de Construção, na avenida Beira-Rio.

 

 

 

Prefeitura de Salvador não diz onde fez melhorias
Nos últimos quatro anos, a Coordenação de Defesa Civil do Estado  (Cordec) recebeu R$ 300 milhões para investir em infraestrutura. A maior parte da verba foi repassada pelo Ministério da Integração Nacional. De acordo com o governo do estado, essa verba foi aplicada em contenção de encostas e outras ações de prevenção.

A Prefeitura, responsável pelas obras, porém, não informou onde elas foram feitas. O CORREIO não obteve resposta da Secretaria de Transportes e Infraestrutura (Setin) sobre ações do município nas áreas da Vila Canária, Bate Facho e Bairro da Paz. Uma reunião coordenada pelo prefeito João Henrique com a presença de órgãos como a Codesal (Defesa Civil) e a própria Setin discutiu na sexta-feira ações preventivas contra as chuvas.

Já a prefeitura de Lauro de Freitas informou que captou, nos últimos dois anos, em torno de R$ 34 milhões para intervenções e teria realizado obras de contenção de encostas, drenagem em pontos críticos, limpeza de rios e desobstrução de córregos. Na Lagoa dos Patos, a prefeitura informou que “transferiu as famílias que estavam em áreas de risco para moradias seguras”, mas alegou que muitos insistem em ficar no bairro.

 

 

 

21.03.2011 | Atualizado em 21.03.2011 - 06:10

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Fonte retirada do link do site CORREIO24HORAS

https://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-2/artigo/chuvas-em-salvador-vai-morrer-mais-gente-diz-mulher-que-perdeu-dois-filhos-em-temporal/